quinta-feira, 2 de março de 2017

Exploração


Ela está cansada e sente dor. Seu bebê está para nascer. Grita. Os homens vêm para ajudá-la. Não tem nome, só um código. Um dos homens a chama jocosamente de Mimosa. Ela sofre mais pelo que sabe que irá acontecer do que pela dor do momento.

Maria Fernanda acorda antes do nascer do sol. Ainda cansada da noite maldormida, ela se arruma e sai para trabalhar. Pega um ônibus lotado e passa quase uma hora dentro dele.

O bebê nasceu e Mimosa tem alguns momentos de tranquilidade. Lambe-o de cima a baixo. É tanto amor que não lhe cabe no peito. Ela desfruta da companhia do filho enquanto teme que aconteça com ele o mesmo que com os outros.

É um dia cansativo para Maria Fernanda. Ela trabalha como caixa num hipermercado e tem que aguentar clientes grosseiros o dia inteiro. O supervisor também não dá descanso. Ele é um oprimido que oprime seus irmãos. Ela sabe que deveria ter pena dele, mas às vezes é difícil entender pessoas assim.

Termina o expediente e ela entra em outro ônibus lotado para chegar à faculdade. Estuda Ciências Sociais. Tem esperança de mudar o mundo através da luta e da educação. Na aula ela discute os problemas do mundo e aprende sobre a exploração. Como ela a detesta. Não entende como as pessoas podem ser coniventes com isso.

Depois de debater e criticar a exploração ela ainda encontra forças para ir numa reunião do coletivo. Troca vivências e faz planos sobre como lutar contra a opressão.

O tempo passa e Mimosa começa a ficar nervosa. Os homens vieram olhar o seu bebê e saíram satisfeitos. Foi assim antes.  Mais tarde os homens voltam. Eles o levam embora.  Tanto mãe quanto filho gritam desesperadamente. “Por quê?” ela pensa. “Por quê?”

A resposta vem logo. Eles colocam as malditas mangueiras em suas tetas. O leite de seu filho vai ser roubado. “O que eles fazem com isso?”.

Maria Fernanda sai do trabalho e vai direto para o protesto. Ela sente que precisa lutar contra a injustiça, que precisa fazer a diferença. Passa a noite caminhando e cantando. Ela faz isso por todos, pelos velhos e crianças, pelo bem da humanidade. Sente-se orgulhosa.

A mãe e o filho passam as próximas semanas chorando e chamando um pelo outro. A mãe é sugada e sente suas forças sendo levadas pelas mangueiras malditas. O filhote tem medo. Está num espaço pequeno e não tem nada para fazer além de comer e sofrer.

Cerca de dois anos se passam.  Mimosa parou de dar leite e foi assassinada pela sua inutilidade. Outra tomou o seu lugar e deu continuidade ao ciclo. Seu filho já é grande e forte. É levado para um lugar de onde os bois não voltam. Ele sente uma dor aguda e cai no chão. Sua consciência começa a se desfazer. Ele treme no chão frio e tudo fica escuro. Nos últimos instantes ele se lembra de sua mãe.

Maria Fernanda vai se formar. Orgulhosa de sua luta contra a opressão e a exploração, ela organiza um churrasco com seus colegas e prepara um pudim de leite para levar. Lá, ela come com prazer um pedaço de costela bovina, saboreando o sabor intenso da carne. Ela propõe um brinde: “Por um mundo sem tirania!”.