Ela está cansada e sente dor. Seu
bebê está para nascer. Grita. Os homens vêm para ajudá-la. Não tem nome, só um
código. Um dos homens a chama jocosamente de Mimosa. Ela sofre mais pelo que
sabe que irá acontecer do que pela dor do momento.
Maria Fernanda acorda antes do
nascer do sol. Ainda cansada da noite maldormida, ela se arruma e sai para trabalhar.
Pega um ônibus lotado e passa quase uma hora dentro dele.
O bebê nasceu e Mimosa tem alguns
momentos de tranquilidade. Lambe-o de cima a baixo. É tanto amor que não lhe
cabe no peito. Ela desfruta da companhia do filho enquanto teme que aconteça
com ele o mesmo que com os outros.
É um dia cansativo para Maria
Fernanda. Ela trabalha como caixa num hipermercado e tem que aguentar clientes
grosseiros o dia inteiro. O supervisor também não dá descanso. Ele é um
oprimido que oprime seus irmãos. Ela sabe que deveria ter pena dele, mas às
vezes é difícil entender pessoas assim.
Termina o expediente e ela entra
em outro ônibus lotado para chegar à faculdade. Estuda Ciências Sociais. Tem
esperança de mudar o mundo através da luta e da educação. Na aula ela discute
os problemas do mundo e aprende sobre a exploração. Como ela a detesta. Não
entende como as pessoas podem ser coniventes com isso.
Depois de debater e criticar a
exploração ela ainda encontra forças para ir numa reunião do coletivo. Troca
vivências e faz planos sobre como lutar contra a opressão.
O tempo passa e Mimosa começa a
ficar nervosa. Os homens vieram olhar o seu bebê e saíram satisfeitos. Foi
assim antes. Mais tarde os homens
voltam. Eles o levam embora. Tanto mãe
quanto filho gritam desesperadamente. “Por quê?” ela pensa. “Por quê?”
A resposta vem logo. Eles colocam
as malditas mangueiras em suas tetas. O leite de seu filho vai ser roubado. “O
que eles fazem com isso?”.
Maria Fernanda sai do trabalho e
vai direto para o protesto. Ela sente que precisa lutar contra a injustiça, que
precisa fazer a diferença. Passa a noite caminhando e cantando. Ela faz isso
por todos, pelos velhos e crianças, pelo bem da humanidade. Sente-se orgulhosa.
A mãe e o filho passam as
próximas semanas chorando e chamando um pelo outro. A mãe é sugada e sente suas
forças sendo levadas pelas mangueiras malditas. O filhote tem medo. Está num espaço
pequeno e não tem nada para fazer além de comer e sofrer.
Cerca de dois anos se
passam. Mimosa parou de dar leite e foi
assassinada pela sua inutilidade. Outra tomou o seu lugar e deu continuidade ao
ciclo. Seu filho já é grande e forte. É levado para um lugar de onde os bois
não voltam. Ele sente uma dor aguda e cai no chão. Sua consciência começa a se
desfazer. Ele treme no chão frio e tudo fica escuro. Nos últimos instantes ele se
lembra de sua mãe.
Maria Fernanda vai se formar.
Orgulhosa de sua luta contra a opressão e a exploração, ela organiza um
churrasco com seus colegas e prepara um pudim de leite para levar. Lá, ela come
com prazer um pedaço de costela bovina, saboreando o sabor intenso da carne.
Ela propõe um brinde: “Por um mundo sem tirania!”.