quinta-feira, 4 de maio de 2017

Talvez



Talvez já seja hora
De agir como gente grande
De encontrar um rumo

Talvez eu deva estudar
Fazer uma faculdade
Ou um técnico
Talvez eu encontre algo que eu ame
E um bom emprego
Talvez me desespere e largue tudo
Troque de curso e acabe não me formando em nada
Talvez seja um bom futuro
Talvez perda de tempo

Talvez eu deva conseguir um emprego
Talvez no comércio
Ou na indústria
Trabalhar e morar sozinho
Pagar boleto
Cozinhar
Talvez eu seja mais feliz
Talvez eu enlouqueça com essa vida
E pule de uma ponte
Parece bem possível


Talvez eu deva procurar por alguém
Uma pessoa que me faça flutuar
Talvez essa pessoa goste de mim
E possamos nos divertir juntos
Rir, conversar, abraçar e beijar
Talvez isso me complete
Embora eu não me sinta uma metade
Talvez seja bom só no começo
E com o tempo fique chato
Os comentários começariam a ficar cruéis
E de tão acostumado com ela
Não saberia terminar

Talvez eu deva fazer tudo isso
Ou talvez nada
“Talvez” é a palavra
A ordem, o princípio...  a base
O começo e o fim
A dúvida que mata
A prudência que protege
Talvez seja bom pensar em tantos talvezes
Talvez não
Não sei

quinta-feira, 2 de março de 2017

Exploração


Ela está cansada e sente dor. Seu bebê está para nascer. Grita. Os homens vêm para ajudá-la. Não tem nome, só um código. Um dos homens a chama jocosamente de Mimosa. Ela sofre mais pelo que sabe que irá acontecer do que pela dor do momento.

Maria Fernanda acorda antes do nascer do sol. Ainda cansada da noite maldormida, ela se arruma e sai para trabalhar. Pega um ônibus lotado e passa quase uma hora dentro dele.

O bebê nasceu e Mimosa tem alguns momentos de tranquilidade. Lambe-o de cima a baixo. É tanto amor que não lhe cabe no peito. Ela desfruta da companhia do filho enquanto teme que aconteça com ele o mesmo que com os outros.

É um dia cansativo para Maria Fernanda. Ela trabalha como caixa num hipermercado e tem que aguentar clientes grosseiros o dia inteiro. O supervisor também não dá descanso. Ele é um oprimido que oprime seus irmãos. Ela sabe que deveria ter pena dele, mas às vezes é difícil entender pessoas assim.

Termina o expediente e ela entra em outro ônibus lotado para chegar à faculdade. Estuda Ciências Sociais. Tem esperança de mudar o mundo através da luta e da educação. Na aula ela discute os problemas do mundo e aprende sobre a exploração. Como ela a detesta. Não entende como as pessoas podem ser coniventes com isso.

Depois de debater e criticar a exploração ela ainda encontra forças para ir numa reunião do coletivo. Troca vivências e faz planos sobre como lutar contra a opressão.

O tempo passa e Mimosa começa a ficar nervosa. Os homens vieram olhar o seu bebê e saíram satisfeitos. Foi assim antes.  Mais tarde os homens voltam. Eles o levam embora.  Tanto mãe quanto filho gritam desesperadamente. “Por quê?” ela pensa. “Por quê?”

A resposta vem logo. Eles colocam as malditas mangueiras em suas tetas. O leite de seu filho vai ser roubado. “O que eles fazem com isso?”.

Maria Fernanda sai do trabalho e vai direto para o protesto. Ela sente que precisa lutar contra a injustiça, que precisa fazer a diferença. Passa a noite caminhando e cantando. Ela faz isso por todos, pelos velhos e crianças, pelo bem da humanidade. Sente-se orgulhosa.

A mãe e o filho passam as próximas semanas chorando e chamando um pelo outro. A mãe é sugada e sente suas forças sendo levadas pelas mangueiras malditas. O filhote tem medo. Está num espaço pequeno e não tem nada para fazer além de comer e sofrer.

Cerca de dois anos se passam.  Mimosa parou de dar leite e foi assassinada pela sua inutilidade. Outra tomou o seu lugar e deu continuidade ao ciclo. Seu filho já é grande e forte. É levado para um lugar de onde os bois não voltam. Ele sente uma dor aguda e cai no chão. Sua consciência começa a se desfazer. Ele treme no chão frio e tudo fica escuro. Nos últimos instantes ele se lembra de sua mãe.

Maria Fernanda vai se formar. Orgulhosa de sua luta contra a opressão e a exploração, ela organiza um churrasco com seus colegas e prepara um pudim de leite para levar. Lá, ela come com prazer um pedaço de costela bovina, saboreando o sabor intenso da carne. Ela propõe um brinde: “Por um mundo sem tirania!”.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Embaixo da ponte

           “Vadia de merda”, “puta” . Essa guria realmente irritou ele. Postou uma foto com uma camiseta de super-herói. “Poser” . Ele enche a postagem de xingamentos. Ela só queria chamar atenção.
            Aff, um viado de merda postou uma foto de dois homens de mãos dadas. Decide mandar uma foto de uma rosquinha em uma fogueira. O dono da postagem fica irritado. “Hahaha, trouxa” . A zoeira não tem limites.
            Diverte-se. Fala sobre bacon nas postagens veganas, manda os comunistas irem para Cuba e diz que seu deputado favorito vai matar todos os vagabundos quando for eleito presidente.

            Fica entediado. Decide jogar. Entra na fila do jogo e consegue um time. Decide que quer jogar na posição principal e ameaça entregar o jogo se não deixarem. Os outros jogadores são uns babacas. Em cinco minutos de jogo já morreu três vezes por causa do time incompetente. Xinga todos. Se fizessem o que ele manda estariam vencendo. Decide entregar o jogo. Diz para os inimigos a posição do time e se entrega para a morte certa. A história se repete mais algumas vezes durante a noite.
            Recebe uma mensagem no celular. São fotos que uma guria mandou para o namorado. Ele repassa para todos os seus contatos. Junta alguns amigos para mandar mensagens para ela. Vai ser uma semana divertida.
            Começa a ficar tarde. Sente sono e vai dormir. No dia seguinte tem mais.
            Acorda com sua mãe batendo na porta. Levanta-se e vai para a cozinha, onde seu achocolatado já está pronto. Dá um beijo na mãe, pega a mochila e sobe na van escolar. Sua mãe observa orgulhosa o filhos indo embora. “Que menino bom”.