domingo, 23 de outubro de 2011

Eu não escrevo crônicas

Eu não escrevo crônicas

Sou brasileiro, gosto de escrever, tenho um blog, não escrevo crônicas. Deve ter algo errado comigo.

O Brasil é o país das crônicas. Não conheço nenhuma pesquisa sobre o assunto, mas não seria arriscado dizer que a Crônica é um dos gêneros mais bem sucedidos do nosso país. Nenhum compromisso, nada muito pesado. Uma risadinha ali, uma reflexãozinha aqui. O jornal se fecha e seguimos com nossas vidas. Não temos saco para ler nada mais longo ou mais pesado do que uma crônica.

Eu faço uma distinção entre quatro tipos de crônicas: auto-ajuda, absurdista, sorrisinho e cult.

A crônica de auto-ajuda procura o efeito “é mesmo...” nos seus leitores. Ela costura uma historinha com algumas frases de livros de auto-ajuda e dá ao leitor a sensação de ter aprendido mais sobre a vida. De todos os tipos de crônica, essa é a que tem os leitores mais fiéis. São pessoas que todo domingo abrem o jornal e vão ler a Fulana de Tal ensinando a viver. Depois, usam frases dela em uma conversa e se sentem bem consigo mesmos.

Na crônica absurdista, o objetivo do autor é provocar a reação “que absurdo” nos leitores. Aqui, entram as crônicas que falam sobre males sociais como a miséria do povo e os salários dos políticos. Elas servem para satisfazer aquela necessidade de indignação do povo brasileiro, sem que ele se sinta forçado a fazer nada (afinal, a culpa é do poder público).

A crônica sorrisinho é a mais popular de todas. O autor conta uma historinha engraçada e faz alguns comentários. Dificilmente isso provoca gargalhadas, mas o sorrisinho é sempre garantido. Embora possa parecer menos importante, seu poder de melhorar o humor das pessoas não deve ser subestimado. Millôr e L.F. Verissímo já aliviaram muitos espíritos com o poder do sorrisinho.

A crônica Cult é aquela mais difundida nos blogs. O autor conta de forma indireta algo de sua vida com frases como “às vezes a gente acha que o amor dura pra sempre”. Depois, ele expõe alguns devaneios poéticos. Esse tipo de crônica geralmente termina com alguma frase de efeito derivada de uma metáfora desenvolvida ao longo do texto. “E assim seguimos, perdidos em meio a castelos de cartas”. Embora esse tipo de crônica possa parecer um tanto masturbatória, é possível desenvolver trabalhos de algum valor literário. O problema é que, no meio de tantos adolescente chorões copiando letras de música, é difícil achar alguma coisa que preste. A superprodução desse tipo de crônica faz com que ela seja extremamente difícil de ser apreciada. Geralmente seus autores acabam restritos a blogs freqüentados apenas por seus conhecidos (entre os quais muitos têm blogs do mesmo tipo).

Eu gosto de escrever. Não sei bem por que. Gosto de trabalhar idéias, de encaixar palavras. Gosto da sensação de encontrar a frase perfeita para um parágrafo. Desconheço brinquedo mais interessante que a atmosfera de um texto. No entanto, não costumo escrever crônicas.

A grande vantagem de escrever crônicas é a relação com o público. Ninguém tem paciência para ficar lendo contos. Poemas só interessam quando vêm com um nome famoso embaixo. A crônica é a única coisa que a maioria das pessoas se prestaria a ler na internet. Talvez seja uma das únicas coisas que as pessoas possam realmente gostar de ler na internet.

Porque nunca escrevi crônicas? Bem, nunca pensei em um público. Cyril Connolly disse: “Better to write for yourself and have no public than to write for the public and have no self.” Uma tradução porca seria: “É melhor escrever para si mesmo e não ter público do que escrever para o público e perder a si mesmo.”. Eu nunca tive ilusões quanto a ter um público. Sempre preferi contos e microcontos. Nunca escrevi crônicas.

Mas agora tenho um blog. Um blog que não é lido, claro. Mas não deixa de ser um blog. É um desafio que aceitei: escrever como se tivesse um público. Está sendo divertido, mas não posso dizer que esteja fazendo direito. Mesmo fingindo ter um público, continuo escrevendo para mim mesmo. Continuo obtendo prazer somente na escolha de palavras, confecção de frases, organizações estruturais, jogos conceituais e todo tipo de masturbação intelectual.

Eu não escrevo crônicas. Coloco aqui apenas resultados de meus jogos. Aceitei o desafio de escrever como se tivesse um público, mas mantenho aqui um antro de porrinhas metafóricas das mais desinteressantes. Mesmo tendo consciência disso, continuo curtindo. Deve ter algo de errado comigo.

[Finais alternativos:]

1-E você, já parou para pensar no que escreve?

2-E isso irá continuar assim até que o poder público pare de gastar com obras inúteis e comece a investir onde realmente é necessário.

3-É... onde esse blog vai parar... Até a próxima. Abraço!

4-E assim, sabendo da irreversibilidade de meus atos, encerro mais uma punheta em meios a meus castelos e quimeras.

domingo, 9 de outubro de 2011

L'amour

L’amour

Alice está toda faceira. Meio que rolou um clima entre ela e o Jonathan. Eles conversaram um pouco e ele perguntou se ela ia à festa de quinze anos da Isabela. Agora, Alice está escolhendo roupas na frente do espelho. Preto nunca falha, mas o vestido verde é mais descolado. O maldito cabelo não para no lugar! Ela se acalma. Coisa ridícula ficar toda nervosinha por causa de um guri.

Acontece que esse não é um guri qualquer. É difícil dizer. Ele é meio bonitão, legal, underground, mas sem ser chato. Todas as gurias querem ficar com ele. Mas ele foi falar com Alice. Toda garota gosta de se sentir especial.

A hora se aproxima. Preto ou verde? Verde ou preto? Um dilema. Ela testa combinações de brincos e roupas. Se eles vão dançar é melhor colocar um sapato confortável, mas o salto alto aumenta as chances deles ficarem...

Chega a hora. Vestido verde, salto médio e brinco de argola.

A festa é no salão do clube. O lugar está cheio de balões e enfeites. A aniversariante está super maquiada. A festa começa depois dos rituais cafonas. Jonathan ainda não chegou, mas Alice não desanima. Ela fica conversando/dançando com as amigas. Por que será que ele ainda não chegou?

Alguns adolescentes aproveitam para beber mais do que deveriam. A aniversariante tira fotos. Os parentes mais velhos começam a ir embora. Agora a festa tá liberada.

Jonathan chega. Muita calma nesse momento. Alice não quer bancar a pegajosa. Ela finge que não viu e espera alguns minutos.

Ela começa a se preparar para abordá-lo. Murilo chega na festa de vai cumprimentá-la. Ele é um baixinho orelhudo que tem um moicano e vivia pedindo para ficar com Alice. Ultimamente ele desistiu, mas continua falando com ela.

— Oi Alice.

— Oi.

Abracinho rápido. Algo acontece. M. se afasta, mas Alice continua parada no meio do salão. Ela sente como se... É difícil explicar. É como se o seu coração se expandisse, como se bombeasse ar ao invés de sangue. A imagem de M. fica na sua cabeça. Ela olha para ele, mas parece que não é o bastante. Ela consegue vê-lo, mas força os olhos, como se precisasse enxergar mais claramente. Seu coração bate rapidamente e se expande com o fluxo de ar ao mesmo tempo em que é apertado por alguma força invisível. Murilo, que nome...

Lili percebe a mudança no rosto da amiga.

— Iiiiii. Ta com uma cara de que vai ficar com o Murilo.

Alice anda por entre as pessoas. Ela não precisa abrir caminho, é como se elas não existissem. Murilo está tomando um guaraná no canto do salão. Ele deixa o copo na mesa quando Alice se aproxima.

— Lembra que tu disse que quando eu quisesse ficar contigo tu ia estar disponível? Ainda tá de pé?

É estranho. Alice geralmente é muito segura nesse tipo de situação. Mas agora ela se sente frágil. Murilo fica pasmo.

— Hãã... Claro!!!

Eles se beijam. Murilo é um tanto desajeitado, mas ela não percebe. Era essa a sensação que ela esperava do primeiro beijo. Era isso que ela procurava: essa sensação de sufocamento, essa vontade de entrar dentro da boca da outra pessoa, essa... coisa maravilhosa.

Eles riem. Não é um riso cômico, é uma manifestação espontânea de alegria. Seus rostos ainda estão próximos. Murilo segura a cabeça de Alice e fala entre beijos:

— Eu não acredito que isso tá acontecendo! Eu... Eu... Eu esperei tanto por isso e...

Alice não fala. O peso em seu peito é esmagador e delicioso. Eles vão para a rua. Ela sente o ar frio contra a pele. Isso é...

Murilo se ajoelha e fala com as mãos juntas:

— Por favor, namora comigo?

É a primeira vez que eles ficam, mas ela não precisa pensar.

— Sim!

Murilo fica extasiado. Os dois sorriem e aproveitam o momento. A noite avança. O arrebatamento começa a dar lugar à ternura. É tão bom...

Eles já conseguem conversar um pouco. Combinam de se encontrar no Parcão no dia seguinte.

Chega a hora de se separar. Se pudessem continuar só mais um pouquinho... Alice não pode perder a carona. Eles se separam. A caminho de casa ela pensa naqueles momentos. É tão bom... E tão ruim... “Nunca contentar-se de contente”, Alice não entendia essa frase antes.

Flashes - Cenas do começo de uma adolescência

Flashes

Cenas do começo de uma adolescência

Ficando – Parte I

Uma grande sala retangular, luzes, decoração, uma canção de amor adolescente. A pista de dança está quase vazia. Os jovens se aglomeram pelos cantos. Alice chega com Cristiane. Elas conversam um pouco e se espalham. Alice já tem um alvo para está noite: Ricardo, o irmão da Talita, primo do Rodolfo e amigo do anão. Ela começa a se aproximar. No caminho, é interrompida por Murilo

— Oi.

— Oi — Alice tenta não ser muito grosseira.

— Fica comigo?

— Não — Alice continua o seu caminho. Paciência tem limite.

Já é a milionésima vez que Murilo tenta ficar com ela. Será que o cara não entende? Ela não vai ficar com ele. Não importa quantas vezes ele peça.

Alice chega até o seu alvo. Eles se beijam algumas vezes. A festa acaba e Alice vai para casa.

Dever

Alice está preocupada. Ela vai falar com sua mãe.

— Mãe, eu não tenho que fazer catequese?

— Se quiser fazer tu faz.

— Tá, mas a mãe de todo mundo obriga. Tu não vai me obrigar?

— Não, se tu quiser fazer tu faz.

— Mas eu não tenho que fazer?

— Olha, eu não fiz, ninguém aqui fez. Por que tu vai ter que fazer?

— Ahh, sei lá.

Alice sai. A liberdade tem um gosto estranho.


Ficando – Parte II

Murilo se aproxima.

— Fica comigo.

— Não.

Alice se afasta. A festa está chata. Ela se encosta na parede e fica bebendo um guaraná. Ela achou que o Camilo ia ir na festa, mas ele não apareceu. Murilo se aproxima.

— Não!

O jovem parece frustrado.

— Quer saber! Eu não vou pedir mais. Quando tu quiser, estarei disponível.

Quem sabe agora ele a deixe em paz.

Camilo chegou. Ela espera um pouco. Ele se aproxima. Eles se beijam algumas vezes. A festa chega ao fim e Alice vai para casa.

Ficando – Parte III

Alice e suas amigas entram na festa. As quatro fazem companhia umas para as outras enquanto a ação não começa. Lentamente o grupo se dissolve. Pelo menos seis garotos tiveram sorte nessa noite.