segunda-feira, 21 de março de 2011

Sete Palmos

Continuação do projeto "Não foi uma bad trip"


Sete palmos

“Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre”.

Chicó, em “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna

Tudo o que é vivo morre. Tudo que não é vivo se desfaz. Tudo morre. Tudo se desfaz. Eis a única verdade inquestionável de nossa existência: nada permanecerá. Eis a grande maldição, eis a grande benção. Pois não há criação sem destruição, não há vida sem morte. Não se deve negar isso. A raiz do sofrimento está na negação. Não há motivo para negar isso. No final das contas, lutando ou não, a impermanência sempre prevalece.

Não há nada de triste nisso. O fim chega. É simples. É comum ver em filmes enterros acontecendo em dias chuvosos e tristes. É uma metáfora para a tristeza que seria inerente ao acontecimento. Mas na realidade não há motivo para isso ser um acontecimento tão triste. Logo, não foi uma surpresa que o primeiro enterro da vida de Alice tenha acontecido em um dia ensolarado de primavera.

As flores desabrochavam. Os passarinhos brincavam por entre as árvores e a cigarra entoava seu canto de celebração.

Entre as sombras das árvores foi feito um buraco. Tão pequenino, tão frágil. Ele morreu tão cedo.

Só a família está presente. Outros não tiveram vontade de participar. É natural. Esse tipo de coisa incomoda muita gente.

O cortejo se aproxima do buraco. O pai de Alice, organizador da celebração, toma a dianteira. Há certa alegria em seu rosto. Ele entende o verdadeiro significado da ocasião. Alice também entende, ela também sorri.
Suspirando, o pai de Alice assume o posto de orador.

— Filha, traga ele.

Alice tira do bolso seu falecido Tamagoshi e o coloca dentro do buraco. Seu pai toma a palavra.

— Olá caros enlutados. Hoje, estamos aqui para homenagear Freddy, o Tamagoshi. Todos nós gostávamos de Freddy. Embora não soubéssemos ao certo que animal ele era, Freddy sempre nos alegrou com suas brincadeiras e seu apito. Foi realmente uma tragédia quando Alice (tão burrinha coitada) deixou o pobre Freddy para morrer no sol escaldante. Mas, se pensarmos bem, a morte foi, de certa forma, um alívio para o pobre Tamagoshi. Freddy já estava cansado. Tu já precisava fazer força pra apertar os botões e a barrinha de fome dele nunca ficava cheia. Enfim, adeus Freddy. Descanse em paz.

Cai a terra. Termina um ciclo. Os pássaros cantam. A árvore cresce. Freddy descansa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Foda-se, uma postura filosófica.

Foda-se é a forma imperativa do verbo foder. Muitos significados são atribuidos ao verbo foder, geralmente relacionados a práticas sexuais. No entanto, as grandes palavras são usadas para significar muitas coisas diferentes.
Na forma imperativa, o verbo foder é usado de duas formas: vai te foder e foda-se.
"Vai te foder" é uma expressao agressiva, ela é aquivalente às expressões "vai plantar batata", "vai catar coquinho" e outras similares.
"Foda-se" também pode ser usado nesse sentido. No entanto, também pode ser usado com outro significado. Um significado mais espiritual e filosófico. É sobre esse sentido que irei falar.
Muitas vezes, diante da desgraça e do desagradável, somos tomados por um sentimento de indiferença, uma libertação do sofrimento. Nesse momento dizemos: grande coisa, eu não ligo, foda-se... E esse é um dos mais deliciosos "foda-se" que alguém pode dizer.
Esse foda-se está presente sob formas diferentes em toda a história do pensamento humano.
O filósofo pré-socrático Zenão de Eléia colaborou em uma conspiração para tentar derrubar um tirano local. Foi preso e torturado. Segundo algumas fontes, quando questionado sobre a identidade de seus companheiros de conspiração, ele pediu ao tirano que se aproximasse, para falar em seu ouvido, e arrancou com seus dentes a orelha do homem. Outras fontes dizem que, depois disso, ele arrancou a própria língua e a cuspiu nos pés do tirano. Em outras palavras, o cara estava ferrado, não tinha mais o que fazer. Eu tenho certeza que ele pensou: foda-se, eu vou arrancar a orelha desse desgraçado.
O conceito de foda-se também está presente na filosofia oriental. No pensamento budista, o apego é a origem do sofrimento. Nos apegamos a certas idéias, decidimos que as coisas vão acontecer de um jeitos e, quando as coisas não acontecem como queremos, sofremos. O que eu aprendi com o budismo é que, quando alguma coisa ruim acontece, o melhor é simplesmente dizer "foda-se" e continuar seu caminho.
Os exemplos do "foda-se" não cabem em um único post. Colocarei mais exemplos com o passar do tempo. Mas a mensagem aqui é: quando as coisas ficarem difíceis, não se preocupe. Encha os pulmões e diga tranquilamente "foda-se".